Páginas

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

O Caso do Cachimbo e o Ensino da Filosofia

O polêmico cachimbo de Magritte. Ou não.

E então, isso é um cachimbo?

Reza a lenda que Magritte, o criador dessa obra de arte, levou-a para um concurso com a inscrição "isto não é um cachimbo" e pronto, precisou apenas do primeiro artista vê-la para começar a discussão. Uns diziam que era um cachimbo sim, e estava tão bem pintado que seria tolo quem afirmasse que não era. Outros respondiam que ingenuidade era dizer que aquilo era um cachimbo, pois não passava de uma pintura.

Mas e então, é um cachimbo ou não é?

Meu objetivo neste texto não é responder essa pergunta, mas defender que as aulas de Filosofia deveriam ser um pouco mais semelhantes a esse episódio. E quem de vocês se lembra das aulas de Filosofia do Ensino Médio? Espero que não tenham sido tão ruins a ponto de tê-esquecido.

Desde 2006, quando o Parecer 38/2006 do Ministério da Educação (MEC) tornou o ensino de Filosofia e Sociologia obrigatório no Ensino Médio, algumas dezenas de milhares de todos nós tivemos de enfrentar professores dessas duas matérias, juntamente com as outras, às quais já estávamos acostumados.

O fato curioso nessa situação foi que, embora o MEC tenha se esforçado para fornecer materiais instrutivos sobre o que essas aulas deveriam abordar, aparentemente cada professor em cada escola ensinava assuntos diferentes para seus alunos. Isso quando ensinava, já que muitos desses alunos entendia que essas  duas matérias eram algo semelhante ao prolongamento do Ensino Religioso para o Ensino Médio, ou seja, aquela matéria em que você tem tempo para descansar já que não faz nada, ou ainda quando o professor era capacitado o suficiente para saber o que estava fazendo, o que muito pareceu não ser o caso de um bocado deles.

Já ouvi casos de professores que ensinavam Psicanálise de Freud, o que está longe de ser Filosofia. Já ouvi casos de professores que levavam notícias cotidianas para os alunos abordarem-nas filosoficamente, e resultava em um fracasso porque eles não sabiam como abordar filosoficamente qualquer assunto. Não me deterei nesses casos. O problema que quero atacar aqui são os professores que, tanto no Ensino Médio quando no Superior, usam das aulas de filosofia para "passar conteúdo" filosófico a seus alunos.

É fácil reconhecê-los. Sua principal característica é que costumam ser extremamente chatos. Insistindo que você se lembre que Aristóteles foi o pai da Lógica, e que René Descartes escreveu "penso, logo existo". Isso é tão horrível quanto aqueles professores de História, sorte teremos se hoje estiverem extintos, que insistiam para os alunos decorarem os acontecimentos históricos, com data e tudo mais.

Também vale notar que eles se prendem a ensinar a história da Filosofia. Agora, cá entre nós, qualquer um que se deter um pouco a refletir sobre isso perceberá que história da Filosofia não é filosofia. Primeiro porque é história (derrr... óbvio) e segundo porque revisar as respostas que os filósofos deram para as grandes questões da humanidade não significa que essas são as respostas certas, já que não há respostas certas e essas questões estão abertas até hoje. E terceiro porque, ainda que essas respostas sejam certas, são as respostas DAQUELES filósofos, e nada impede que outros tenham chegado a respostas diferentes, também válidas.

O resultado da prática desses professores é desastroso na minha opinião: eles produzem alunos que acreditam que filosofar é essa coisa entediante de lembrar o que um filósofo disse perante tal situação numa determinada época. Nada menos filosófico, nada mais dogmático! E o que é pior: esses alunos acabam por não aprender a filosofar! Aprendem apenas a repetir o que as pessoas dizem; não aprendem a pensar por si mesmos! Não aprendem a analisar, refletir, se encantar pelas coisas... não aprendem a questionar!

Sou contra tudo isso, e defendo ardentemente que esse tipo de ensino de Filosofia, principalmente no Ensino Médio em que ela é acessível à mais pessoas, seja abandonado. Proponho uma alternativa, que alguns professores têm chamado de Metodologia Ativa, mas por não gostar desse nome, chamo de Ensino por Problemas.

Minha proposta é a seguinte: ao invés do professor ensinar o que um filósofo escreveu em sua época diante de uma determinada questão filosófica, e assim sucessivamente durante toda a história do pensamento filosófico, é muito mais interessante que ele apresente a questão a seus alunos e peça-lhes para responderem-na.

Começa com uma apresentação da questão de maneira que os alunos consigam compreendê-la. Não adianta, por exemplo, apresentar a questão cerne da metafísica "o que é?" assim, sem mais nem menos. Ninguém vai entender. É preciso explicá-la, detalhá-la, analisá-la junto aos alunos até que eles a compreendam. Essa é uma parte do papel do professor de Filosofia, contudo ele não deve se limitar a ela.

Depois que o problema foi compreendido, os alunos devem tentar resolvê-lo. Nesse momento, pedir para que trabalhem em duplas pode ser interessante, uma vez que a discussão facilita a reflexão. Porém, apenas discutir em duplas provavelmente não bastará. Dependendo do contato que eles tiveram com a Filosofia durante suas vidas, dificilmente saibam como proceder diante de um problema filosófico e isso pode desesperá-los, mas considerando que muitos filósofos também não sabem como proceder também, então isso não é algo tão catastrófico. Dessa forma, o professor, cumprindo com seu papel de guia, pode fornecer aos alunos algumas ferramentas que auxiliem na produção de uma resposta que resolva o problema filosófico em questão.

É nesse momento que entram os outros filósofos, clássicos da história da Filosofia. Citar um pouco da reflexão que um fez, um trecho da reflexão que outro fez, um pedacinho da contribuição de um terceiro para a questão pode auxiliar os alunos a pensarem por si mesmos. Deixando claro que a resposta de tal filósofo não é a última, nem a mais verdadeira.

No final, o professor deve decidir até que ponto os alunos devem ir, baseando-se até que ponto conseguem chegar. Alunos com menos contato com assuntos filosófico devem ir menos, aos poucos, se acostumando com esse jeito diferente de pensar, de acordo com suas próprias capacidades, e a recíproca é verdadeira.

Também é importante, nesse ponto, o professor não se frustrar com as respostas que aparecerem. Lembre-se de que aprender a pensar filosoficamente é difícil e requer muito tempo de prática, então seu dever é proporcionar mais oportunidades para que eles pratiquem. E com a prática virá a perfeição. Pouco a pouco, em passos pequenos, ele chegarão lá, mas isso requer paciência dos professores.

Considerando tudo isso, chega a parte que acho mais divertida: quais são as questões filosóficas a serem usadas? Descobri-las e prepará-las, montando explicações para facilitar seu entendimento é uma das tarefas do professor de Filosofia. Eu gosto muito de, nesse momento, pegar meus livros de História da Filosofia e tentar descobrir quais eram as questões que os filósofos estavam tentando responder. Quais os problemas filosóficos que os pré-Socráticos enfrentavam? Quais problemas Aristóteles abordou? Sobre quais dúvidas Agostinho de Hipona filosofou? Quais problemas tanto incomodaram Nietzsche?

Só para dar um gostinho, aqui vão algumas dessas questões com as quais tenho mais familiaridade:

Metafísica: o que é? Quais são as condições suficientes e necessárias para alguma coisa existir? Quais são as condições suficientes e necessárias para alguma coisa não existir? Como o nada e o tudo podem coexistir? Existe algo para além do que percebemos ou tudo o que existe é o que percebemos? Existe algum sentido na existência?

Ética: o que é bom e por que é bom? O que é errado, e por que é errado? Por que alguém deve agir corretamente? Como agir corretamente? Como ser feliz?

Estética: o que é o belo? O que é o feio? O que diferencia o belo do feio? O que é o sublime? O que é o grotesco?

Epistemologia: o que é o conhecimento? Como temos certeza de que conhecemos alguma coisa? O que é o ceticismo? Qual a origem do conhecimento?

Filosofia da ciência: o que é ciência? O que diferencia a ciência da filosofia? O que diferencia a ciência do senso comum? E da religião?

Esses exemplos já podem dar uma ideia de que não faltam problemas filosóficos para os alunos abordarem.

Termino este texto reiterando que essa metodologia do ensino de Filosofia que esbocei acima tem uma grande vantagem sobre a metodologia comum: enquanto o que os alunos comumente aprendem é repetir o que os outros disseram, através do que proponho eles terão a oportunidade de aprender a pensar por si mesmos. E não vejo melhor função que essa para a Filosofia.

[Mas afinal de contas, é ou não é um cachimbo?]


Um comentário:

  1. 1xbet | 1xbet | Bet with a Bonus - RMC | Riders Casino
    1XBet allows you 1xbet korean to bet on any favourite horse races or any other sporting 출장안마 event. ✓ Get up to £300 https://septcasino.com/review/merit-casino/ + worrione 200 Free Spins No Deposit

    ResponderExcluir